sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Havia, no frio daquela tarde, algo de inumano, certo odor que subia da grama úmida, um odor como que de morte, mas que não chegava a ser de morte, era algo mais fúnebre, nebuloso. O céu era cinza, pálido, fechado. O vento eriçava os galhos das árvores, ainda que suavemente, mas era um vento frio, que batia no rosto e o fazia ressecar-se. Frio também era o coração de Heitor, sentado, cabisbaixo, ao lado daquela que tanto lhe ferira, a causa de todo o seu sofrimento incondicional. Ambos mudos, como se a decência do gesto não lhes fosse permitida, fumavam e sequer ousavam fitarem-se um ao outro. "Nada a fazer", disse ela. Ele, do fundo de sua agonia, esforçou-se em levantar a cabeça para poder encará-la nos olhos, de frente, mas, infelizmente, o vazio que o puxava para baixo era muito mais forte e intenso. Em sua mente, ele formulou milhares de frases que supostamente deveriam ser ditas, entretanto nenhum som saiu-lhe dos lábios. Na quase que infinitude daquele momento doloroso, o eco das palavras dela retumbava em sua cabeça, em sua alma, em cada palmo de seu ser. A circunstância da perda é algo tão irreparável quanto a própria perda. De fato, tudo aquilo que, se sua parte, poderia ser feito, havia sido feito, pensava ele; porém, do dito de certo escritor latino-americano vinha a sentença que agora ocupava todos os seus pensamentos: "Os homens e os deuses possuem o mesmo destino: nascem e morrem sobre o colo de uma mulher."