terça-feira, 30 de setembro de 2008

Refrescando

À tarde, quando não chovia, gostava de sentar à sombra fresca dos grandes pinheirais que haviam naquele bosque. O sol não conseguia fazer passar seus raios através da sombra fresca das imponentes árvores, e a ledice do ar era algo de um valor inestimável. Naquela noite, nos alongamos um pouco. O tempo estava fresco, úmido, e ficamos além do pôr-do-sol, sentados, lânguidos, observando o maravilhoso espetáculo da noite que caía. Ela parecia feliz. Havia um sorriso em seus lábios, um sorriso que até então eu nunca vira, pois certamente se visse teria me lembrado; era um sorriso calmo, não tão grande, mas que de certa forma conseguia iluminar seu rosto inteiro. "Que sorte a minha por ela estar assim", pensei. Nos últimos tempos, tínhamos feito apenas coisas saudáveis; passeios, teatro, jantares a dois, coisas do tipo. Já se confundia em mim sua imagem do princípio, dura, pálida, imperiosa, com essa de agora, indefesa, cândida, estável. Os doentios jogos haviam terminado. Ao menos, era o que eu esperava...Nem sequer tocávamos em tal assunto. E caiu a noite. Ela, deitada em meu colo, tinha o rosto coberto por uma aura pura, leve, e quem a visse ali, daquela forma, jamais pensaria nos suplícios e humilhações pelas quais ela me havia feito passar. Eu mesmo já me não lembrava dela senão como essa imagem, branca, que ali estava, inocentemente deitada em meu colo. Não era mais uma Vênus, mas uma Diana, caçadora, independente. Essa idéia me fez tremer por dentro; e se ela não precisasse mais de mim? Se não me quisesse para ser seu companheiro, mas tão-somente para realizar e satisfazer os mais mórbidos desejos de sua mente? E se ela não mais os tivesse, talvez não mais achasse utilidade para mim...Fitei-lhe o rosto: ela também me observava, porém não poderia dizer há quanto tempo. Era como se tentasse adivinhar em que tipo de divagação estava absorta minha mente. Que pensas tu? Perguntou. "Penso em ti...", respondi, trêmulo. Ela sorriu diferente, um sorriso mais largo, um tanto diabólico, que fez meu coração congelar. Acariciou meu rosto, os pequenos e brancos dedos brincando com minha barba, e disse: É estranho que penses em mim agora, que estou aqui, ao teu lado...Geralmente, só pensamos nas pessoas que estão longe de nós. Por outro lado, este também é um sintoma muito comum aos apaixonados...Aqui ela parou, olhou o céu, que começava a se iluminar com as primeiras estrelas e com a ainda opaca fosforescência da lua, e beijou minha perna. "E se eu estiver mesmo apaixonado por ti?" Redargüi, quase não conseguindo me conter de ansiedade. Ela se levantou, puxou-me pela mão, beijou-me cálidamente e disse: Vamos para casa. Este sereno começa a me incomodar...

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Ultimatum

Definitivamente, não há nada mais extasiante e ao mesmo tempo horrível e opressor que a arte. A inocência com a qual somos abraçados por esta manifestação una e espontânea do Caos é completamente absurda e irremediável. Aniquilando nossos sentidos, de forma irreversível, a arte é a única coisa não linear e sistemática que consegue dar vazão à uma existência vazia e inexplicável. Num primeiro momento, todos buscamos aquilo que nos conduza a um lugar calmo e pacífico, longe de qualquer espécie de ponderação que possa desorganizar ou desconstruir a racional e letárgica lógica cotidiana pela qual somos viciados desde a infância. Porém o indivíduo pode, ao longo do processo, ser tocado por algo que se coloca fora de toda esfera lógica de sua vida cotidiana, e, de certa forma, ser sugado por um buraco negro descoberto dentro de si próprio e que o conduzirá, se não a um grau de iluminação e transcendentalismo quase míticos, a uma loucura completamente úmida e irreversível. O grande problema é que o homem colocou a esfera da arte no sótão da existência, e há um abismo enorme entre o ser e ele mesmo. Primordialmente, este é o papel da arte: trazer o Homem ao encontro dele mesmo. Mas poucos são os que se deixam embriagar de tal forma por esse processo completamente subjetivo e alógico. É difícil sair do Locus Amenus da vida cotidiana, com a sua casinha, seu empreginho, sua rotininha, e os outros milhares de inhos e inhas da vida moderna. Porém a própria modernidade é algo absolutamente recente, invenção fatal de algum bêbado decadentista francês, e dentro dessa modernidade, não só a arte, bem como toda subjetividade que há na vida, estão fadadas a serem deixadas mesmo nesse porão escuro e inóspito, onde nada que fuja do mero convencional e palpável é digno de consideração ou reflexão. Trata-se da mecanização do homem, e nada mais.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Ponderações

Até que ponto podemos descer em nome de qualquer coisa? Quer dizer, quais os limites máximos da dor, da agonia, da humilhação, do sofrimento? Eu certamente nada sei disso. Cada vez mais me parece que não tenho limites para minha própria angústia..." O homem é o lobo do homem", disse Hobbes. Acho que a mulher é o lobo do homem. Sendo, obviamente, neste caso, o lobo físico, aquele que verdadeiramente morde, machuca, castiga. A palavra "castigo" é uma das mais belas invenções linguísticas; Encerra em si própria a causa e o efeito. Isso, logicamente, se considerarmos que a vida é uma eterna relação entre essas duas variáveis, um embate constante entre aquilo que se deseja e aquilo que se faz para alcançar o objeto de desejo. E é justamente aí que entra a questão do limite; ou há um limite para a vontade humana, e esse limite é extremamente inquebrantável, ou a vontade é sempre capaz de quebrar e suplantar qualquer limite, não importando os riscos envolvidos no processo?