sexta-feira, 25 de julho de 2008

Elisabeth II (cont.)

Caminhei por algum tempo. A noite estava agradavelmente fresca, o céu negro sem estrelas, uma leve brisa soprava trazendo consigo odores quase místicos, indecifráveis. Fumei um cigarro. Ainda era cedo para voltara para casa. A verdade é que eu ainda buscava algo, muito embora não soubesse do que se tratava. Vaguei sem rumo, indefinidamente, por ruelas, becos, avenidas, algumas pouco, outras muito movimentadas. Topei tipos estranhos; bêbados, prostitutas, traficantes, os degenerados filhos das trevas. Entrei em bares, bebi coisas insípidas, minha cabeça começava a doer. Era como se algo me faltasse, uma espécie de necessidade física, insondável, insólita. Na varanda de alguma casa por onde passei, alguém tocava um violino, melancolicamente. De repente, tudo ao meu redor foi adquirindo um tom acinzentado, como se uma espécie de névoa baixasse, penetrando todos os recônditos que minha visão pudesse penetrar. Ao longe, divisei o grande letreiro de uma igreja, com dizeres multicoloridos: "Abençoados todos aqueles que vêm em nome do Senhor", dizia. Demoradamente, observei as palavras, que brilhavam com luz fosforescente. E ali, parado, fui tomado de uma acentuada espiritualidade, fenômeno que, como vinha notando, se tornava constante nos últimos tempos. Geralmente, quando isto ocorria, era dominado por divagações de caráter metafísico, ponderava a razão de minha existência, a grandeza de Deus. Algumas vezes, era tomado por uma ira que me levava à comoção; outras, sem conseguir chegar à conclusão alguma acerca de nada, me enclausurava numa tristeza metodicamente adquirida. Essas "crises" espirituais não tinham um motivo aparente. Iam e vinham conforme lhes fosse adequado. Ora, naquele exato momento eu estava, digamos, em crise. Pensei em Deus, onpotente e onipresente. Eu precisava de Deus. Talvez precisasse. Talvez depois. Agora eu precisava de outra coisa...
Apartamento 707. Sétimo andar de um prédio sem elevador. A subida realmente me cansou. Era uma construção decrépita, com cheiro de mofo, paredes desbotadas e emboloradas. O ar era impuro, sufocante. Havia rachaduras, infiltrações, janelas com vidros quebrados, teias de aranha e excremento de pombo pelo chão. Elizabeth II era o nome do edifício, se me recordo de o ter visto na entrada. Não havia porteiro, e na verdade eu nã ohavia visto ninguém nos corredores, nem ouvido som algum que indicasse a presença de seres humanos ali. Estava cada vez mais convicto de que o prédio possuía apenas um habitante. Bati à porta, pis a campanhia estava quebrada. Quem abriu me analisou com um olhar interrogativo, e em seguida, sua expressão mudou, algo semelhante à raiva, satisfação e triunfo. Agarrou-me pelo casaco. puxou para dentro e disparou: "eu sabia que tu voltavas..."

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